sábado, 26 de julho de 2014

OS CRISTAIS DE PEQUI

 

Os Cristais de Pequi




Na bandeira do município de Pequi tem três cristais. Nos quintais das casas mais antigas, acha-se fragmentos e mesmo pedras inteiras de cristal. Lembranças de uma época pujante.
O cristal está no sangue e na história de nossa cidade. Quase todos que têm alguns anos de Pequi, sabem do que estou falando. Quem não conhece uma história, um causo de garimpo, das minas de cristal de Pequi? Histórias às vezes trágicas, de ruína, acidentes... e até morte. Histórias felizes, de sucesso, onde uns poucos fizeram fortuna, outros tantos criaram suas famílias e tiraram do cristal o seu sustento e o dos seus. E quantos hoje em dia consideram o garimpo um mero jogo, onde a sorte é quem manda, esquecendo-se que  garimpar é um ofício, uma arte, que  exige talento, vocação e  muita determinação. Mas assim é a vida, o que para uns é ilusão e sonho, para outros é um real meio de vida, honesto e nobre.
A história começa com os montes de dois, três metros de altura de cascalho lavado, deixados pelos Bandeirantes vindos de Pitangui, em busca de ouro. Havia montes repletos de cristais, sinal claro da presença de minas por perto. Conta-se que em algumas casas mais antigas, pode-se ver ainda alguns cristais rolados em meio à argamassa dos alicerces. Por décadas os cristais ficaram lá, no ventre da mãe terra,  ocultos para os olhos e mãos humanas. O fato é que o garimpo e o comércio de cristal só vieram ter importância na economia do município nos idos dos anos quarenta. Segundo os antigos, durante a Segunda Grande Guerra, os cristais de Pequi, ficaram famosos pela pureza, e passaram a ser cobiçados, e garimpados em grande escala. Eram exportados para a Alemanha, para fabricação de lentes usadas em todo tipo de instrumentos óticos, além de serem usados na fabricação de transmissores de rádio, na liga de alguns aços e na fabricação de cristais finos pela Europa afora e Estados Unidos. Para se ter uma idéia da importância do garimpo naquela época, conta-se que uma pedra de meio quilo limpa, equivalia a uma semana de serviço na lavoura ou em qualquer outro serviço semelhante. Para se ter noção da dimensão que o garimpo teve na história de Pequi, observem o fato de que há mais de cinqüenta bocas de mina nos arredores da Serra do Rio do Peixe, e mais de uma centena de outros afloramentos espalhados pelo município. Imagine-se no auge daquela efervescência, quantas pessoas estavam envolvidas direta e indiretamente com o garimpo. Quanto do dinheiro que circulava no município provinha do cristal?
Naquele tempo, as minas mais produtivas dependiam de muito capital e mão de obra qualificada: ferreiros, mestres de fogo, conhecedores dos segredos dos veios de cristal, e muita, muita força bruta. Em resumo, dependiam de garimpeiros e “cristaleiros” profissionais, além é claro do dono do capital.
Cá com meus botões, fico imaginando a cena ao raiar do dia em Pequi: dezenas de trabalhadores subindo a serra, à pé ou à cavalo, mais outro tanto que dormira nos ranchos  próximos às bocas das minas. Penso em como a vida fervilhava em Pequi nesses tempos: o comércio, os bares, as festas, a política...
 O garimpo, qualquer que seja ele, vive de quem não tem medo, de quem é forte, e em alguns casos de quem é velhaco. Em todo ramo é assim, há os que trabalham mais com o cérebro do que com os músculos. De qualquer forma naqueles tempos, assim como hoje, o garimpo era uma chance de mudar de vida, de conquistar o desconhecido, de aprumar como se diz, não para todos, mas apenas para os teimosos, que não baqueavam nem baqueiam fácil.
Assim a carruagem foi andando, uns compraram fazendas, montaram seu comércio, prosperaram. Outros ficaram na saudade. Eis que veio o golpe de 64, e o preço do cristal caiu quase a zero, por obra dos militares, que implantaram uma fiscalização mais rígida nos portos por onde os cristais eram exportados, isso aliado ao progressivo esgotamento das minas conhecidas. Houve o abandono geral da atividade. Vieram os anos 70, 80 e 90. Durante essas décadas, tudo aquilo que os pioneiros jogaram fora, voltou a ter valor. Era a vez dos sucateiros, levas de homens, mulheres e crianças, revirando os entulhos descartados morro abaixo. Os compradores vinham de Belo Horizonte, Sete Lagoas, Pitangui, Pompeu e sabe-se lá de onde mais. Era o tempo das pedras abaixo de trezentas gramas, usadas na sua maioria para produção de lascas que seriam empregadas na fabricação de lentes de óculos. É interessante observar que, aproveitando aquilo que os primeiros garimpeiros desprezaram, muitas famílias tiraram seu sustento e viveram dignamente. O que um dia foi considerado sem valor, sem utilidade, voltou a ser procurado, e usado tanto na joalheria mais fina, quanto nas bijuterias mais baratas, tanto no fabrico de peças ornamentais e decorativas quanto na terapia de dores e problemas de circulação. Já ouvi contar que um sujeito que tinha dores terríveis nas pernas devido a um reumatismo, se tratava à noite antes de se deitar colocando os pés sobre uma mula (pedra grande de cristal sujo) previamente aquecida junto ao fogão de lenha e enrolada numa coberta.

A história não para por ai, todos sabem que o cristal é uma pedra semipreciosa, resistente a riscos, com um brilho esplendoroso quando lapidado. Além dos empregos que já mencionei, sei por experiência própria que os cristais podem se transformar numa atividade rentável para quem aprender a trabalhar com eles e, principalmente descobrir o imenso mercado que existe no Brasil e no exterior. O garimpo é pesado fisicamente, a lapidação pode causar problemas respiratórios se executada sem os equipamentos necessários, mas fica aqui um toque: em qualquer trabalho o ponto chave está no grau de arte que se acrescenta ao artesanato, no grau de inteligência que se agrega à obstinação; as oportunidades às vezes, estão debaixo de nossos pés, mas se não observamos com cuidado e não nos movemos, elas podem ficar escondidas indefinidamente.

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