quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Trajetória de um garimpeiro

        Não tenho certeza sobre o que precede a vontade e o ato em si de garimpar. Creio ser um conjunto de lembranças, opiniões, experiências de vida, aptidões e informações reunidas no cérebro, alma, coração e corpo de um indivíduo, que o fazem adentrar no garimpo. Porém há filtros anteriores a esses fatores, que, além de selecionar as futuras condutas, caminhos e decisões  do sujeito, serão responsáveis por suas qualidades como garimpeiro, e por seu  sucesso ou fracasso em encontrar bens minerais de valor, trazê-los à superfície, negociá-los e administrar os recursos apurados, até que a roda viva  do garimpo reinicie outro ciclo. Os tais filtros da inteligência, sensibilidade e força de vontade do garimpeiro podem ser de ordem estética ou econômico-financeira, ou, como na maioria dos casos, um misto das duas  coisas. Se você chegar para um garimpeiro e perguntar por quê ele garimpa, ele pode até dizer que é uma cachaça, que é porque ele gosta, mas em algum ponto ele fatalmente cairá na dualidade estético/econômica: vende porque é bonito (ou raro), e porque vende e representa dinheiro, é ainda mais bonita a pedra. O fato é que sem o tino financeiro para negociar, sem conhecimento de mercado e senso estético para determinar a raridade e o valor da pedra, o garimpeiro é potencial vítima de compradores gananciosos e inescrupulosos.

O INÍCIO 

          O garimpeiro decide garimpar porque viu, ou ouviu falar de outro garimpeiro. No meu caso primeiro ouvi falar em garimpo, depois vi garimpeiros trabalhando. Tive um mestre, Seu Alfredo, baiano. Na primeira vez que o vi, tinha eu trinta e poucos anos, ele na faixa de cinquenta. Primeira lição, apontar as picaretas e ponteiros, que consiste em aquecer, a peça numa forja a carvão, puxar as pontas com uma marreta de  1 ou 1,5 kg, moldar a ponta e temperar  conforme o tipo de rocha na qual se pretenda trabalhar.
          A destreza no manuseio das ferramentas, primeiro passa por ver alguém trabalhar com tal ou tal ferramenta. Depois desenvolve-se estilo próprio. Muito importante é o ritmo, a toada do serviço. Porém, sem um mínimo de resistência física e um mínimo de precisão nos movimentos, não se atinge um mínimo de aproveitamento. Seja pá, picareta, marreta e ponteiro, carrinho de mão, machado etc. Muito importantes são, ainda que intuitivas, certas noções ou modelos mentais de prumo, nível, ângulos, figuras geométricas básicas, paralelismo, conhecimentos básicos de resistência de rochas e outros materiais além de hidráulica. Tudo muito prático, diga-se de passagem. Sem esses e outros  conhecimentos, é impossível executar perfuração de túneis, construção de escoramentos, travamento de estruturas em madeira , desmonte com explosivos, e em último caso, preservar a própria vida em garimpos subterrâneos.

A ATIVIDADE

          Informação em primeiro lugar. Sejam amostras do que se procura, sejam informações de outros garimpeiros ou da população em geral. Há um componente de sorte, já que normalmente garimpeiros não dispõem de tecnologia, capacidade econômica e mesmo conhecimento técnico sobre métodos de sondagem, seja por perfuração seja por ecografia, ou mesmo análise em laboratório. O conhecimento e a experiência podem, na falta da sorte, facilmente substituí-la. "Ciência de garimpo é teima", dizia um antigo garimpeiro. Às vezes pode ser verdade, há minas que passaram pelas mão de três, quatro garimpeiros antes de bamburrarem. Há casos de pessoas que pelejaram décadas em serviços cegos (improdutivos). Há um ditado que  diz: o serviço ensina o cabra trabalhar. Cada mina tem suas especificidades. Vale um exemplo: somos bípedes, porém não se anda do mesmo jeito numa reta sobre cimento, sobre grama, num aclive montanhoso, num declive escorregadio, num pântano ou sobre areia fofa. Os garimpos subterrâneos, que é onde estão no meu caso, as melhores pedras,  é fácil notar que cada mina, cada serviço, tem peculiaridades e também pontos em comum com outras minas e serviços. 
              Um grande divisor de águas no garimpo, é em que função o garimpeiro está. Numa mina subterrânea, de fora pra dentro, em ordem crescente de salário, há o carreiro, que toca o carrinho de mão, que por sua vez sucede o que o guincho puxou de baixo, que por sua vez transporta o que um cortador na frente de serviço, cortou no braço ou desmontou com explosivos. Podem haver funções intermediárias, como fiscais, em serviços de pedras coradas (esmeralda, água marinha, turmalina etc). Geralmente o bom garimpeiro, e isso determina seu salário, sabe fazer tudo, mas prefere cortar, que é ficar na frente de serviço, é o cortador quem primeiro vê as pedras. Porém  é ele quem deve tomar algumas decisões importantes como mudar o rumo o serviço, seguir um galho do veio que parece mais promissor e mesmo dizer que é hora de abandonar o serviço. 
Quase todos no garimpo trabalham sob porcentagem da produção, dependendo do que se ganha adiantado, bem como do tipo de pedra do serviço.
                     Encontrado o que se busca, começa outro processo tão difícil quanto encontrá-lo: vender a mercadoria bem vendida, ou melhor: aprendida a arte de garimpar, é preciso aprender a arte de vender pelo melhor preço médio do mercado, o que não raro é totalmente desconhecido de 90% dos garimpeiros. Seja porque esse preço é mantido em sigilo pelos próprios compradores, seja porque o preço além de flutuar, varia conforme o lugar. Esse mercado, também é mantido em sigilo, certos nichos de consumo na Ásia, América do Norte, Europa e mesmo aqui no Brasil, não são acessíveis num primeiro momento. É necessário investir certo tempo, observação e contato constante com toda a cadeia produtiva dos minerais e gemas para se manter atualizado e vivo no mercado. 
                     
ASPECTOS LEGAIS

             O costume é inicialmente procurar o dono do terreno antes de se iniciar os trabalhos de pesquisa e combinar a porcentagem dele, geralmente 20%, (dependendo das dificuldades e gastos). No meu caso achei por bem fazer isso e registrar a área alvo no DNPM, hoje ANM, Para evitar futuras disputas com possíveis titulares de direitos minerários sobre a referida área e mesmo com o proprietário.