Chineses invadem cidades da região Central de MG em busca de pedras semipreciosas
Pedras preciosas em estado bruto saem de
Minas com destino ao gigante asiático em contêineres com preço abaixo do
mercado. Em Curvelo e Corinto, negócio gera R$ 50 mi
Zulmira Furbino -
Publicação: 20/05/2012 07:52
Atualização: 20/05/2012 11:49
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Embarcadas em contêineres, em Curvelo, pedras semipreciosas vão em estado bruto para serem transformadas em joias na Ásia |
Curvelo
– São 7h30 da manhã de terça-feira em Curvelo, na Região Central de
Minas Gerais, e já se nota o início do carregamento de caminhões com
contêineres cheios de pedras preciosas brutas que sairão do meio do
estado em direção à indústria de joias na China. Somente em municípios
mineiros como Corinto e Curvelo, a extração e venda clandestina de
pedras movimenta mais de R$ 50 milhões ao ano, segundo cálculo a partir
de informações da Cooperativa Regional Garimpeira de Corinto (Coopergac)
e da Associação Comercial e Empresarial de Curvelo (Ace). Isso sem
contar o faturamento em municípios como Inimutaba, Diamantina,
Felixlândia, Governador Valadares, Teófilo Otoni e em pequenas cidades
da região.
O número contrasta com a informação oficial
de exportação de pedras preciosas em bruto no estado. Em 2011, de
acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC), as vendas externas desse material em toda a Minas
Gerais foram de US$ 23,06 milhões (R$ 46, 12 milhões), um total inferior
à estimativa de faturamento de apenas dois municípios mineiros. Entre
80% e 90% das pedras preciosas em bruto produzidas no Brasil são
exportadas, principalmente ao gigante asiático.
O dinheiro
apurado no negócio é invisível aos olhos oficiais. É que 95% dele
circula nas mãos de uma poderosa indústria clandestina, que começa no
garimpo informal e segue comandada por atravessadores, compradores –
hoje, chineses, em sua maioria –, despachantes e empresas de exportação.
O silêncio ronda todos os agentes que, de uma ou de outra forma,
participam do esquema. A reportagem do Estado de Minas procurou
conversar com vários deles. A maioria se recusou a dar declarações sobre
o assunto. Outros forneceram informações sob a condição de anonimato.
Segundo
uma dessas fontes, a cada 20 dias, em média 12,5 contêineres carregados
com 250 toneladas de pedras extraídas dessa região seguem de Curvelo
para serem embarcadas no Rio de Janeiro. O mesmo acontece com dezenas de
tambores cheios de material mais valioso, que viajam de avião. Tudo
aparentemente certo, não fosse o fato de que as notas fiscais mostram
valores subfaturados, o que permite que essas pedras sejam enviadas para
fora a preços muito inferiores aos praticados pelo mercado. “Um dos
caminhos do subfaturamento é a própria Receita Estadual. Os garimpeiros
saem de lá com o documento nas mãos”, diz G.L.H, que atua no ramo.
“Qualquer
empresário, de dentro ou de fora do país, só pode comprar pedras
preciosas de mineradoras legalizadas ou de cooperativas de garimpeiros.
Mas os números da nossa exportação são tão baixos que ou elas saem
altamente subfaturadas ou são contrabandeadas”, diz Raymundo Vianna,
presidente do Sindicato das Indústrias de Joalheria, Ourivesaria,
Lapidação de Pedras Preciosas e Relojoaria de Minas Gerais (Sindijoias).
Curvelo é o centro mineiro dessa indústria fantasma. De lá partem
minerais como quartzos e cristais variados (rutilo, cabelo fachado, lodo
verde), ametistas e águas-marinhas, que enriquecem os integrantes da
rede.
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Valor declarado para os cristais fica abaixo do que é cobrado para venda no mercado interno |
Esquema
Para facilitar o caminho até as pedras, os chineses contam com empresas
que oferecem a eles um pacote de serviços para localização, compra e
desembaraço das pedras por cerca de R$ 13 mil. São R$ 3.500 de
transporte de Curvelo ao porto, R$ 300 para o “chapa” (carregador), R$
2.000 pelo frete marítimo e R$ 500 de imposto. Para cada contêiner, o
lucro dos prestadores de serviço com o negócio é de cerca de R$ 7 mil.
Ou seja: uma média de R$ 87,5 mil ao mês para cada 12,5 contêineres
enviados ao exterior, segundo uma fonte que pediu anonimato.
“Em
média, o total declarado para o conteúdo de cada contêiner é de US$ 6
mil (R$ 12 mil), mas o valor de fato pode ser US$ 100 mil (R$ 200 mil)”,
diz uma fonte do setor. Ele lembra que o quartzo mais barato custa R$ 2
o quilo, mas, segundo Raymundo Vianna, o preço do quilo do quartzo muda
de acordo com a variedade e a qualidade da pedra. “O quartzo rosa e o
rutilado de boa qualidade custam entre R$ 8 mil e R$ 10 mil o quilo. Já a
ametista e a rodonita, outras variedades, podem valer até R$ 30 mil o
quilo. Porém é impossível estabelecer o valor da pedra sem a avaliação
de um perito”, diz.
Segundo a Secretaria de Estado de Fazenda, há
equipes especializadas para atuar na fiscalização do setor nas regiões
onde a exploração de gemas é predominante. Além disso, o produtor
individual pode emitir sua nota fiscal, mas um procedimento de
retaguarda é adotado no caso de remessa de mercadoria para o exterior.
Chineses invadem o estadoA
rota de interesse dos chineses pelas pedras preciosas brasileiras passa
por municípios mineiros e também baianos. Em Minas, os principais são
Curvelo, Corinto e Inimutaba. Na Bahia, Novo Horizonte, Ipupiara, Campo
Formoso e Oliveira dos Brejinhos. Em Curvelo, profissionais que atuam
com eles, mesmo sem formação superior, aprendem até a falar mandarim,
ainda que com noções rudimentares. Com isso, têm rendimentos garantidos.
Os pagamentos são todos feitos em dinheiro vivo. E adiantados. Entram
nessa lista prestadores de serviço, restaurantes, hotéis, postos de
gasolina, imobiliárias e lojas de aluguel de veículos. Todos
extremamente satisfeitos.
“De coração, se for para prejudicar os
chineses não faça essa matéria. Eles pararam de comprar pedras por
quatro meses por causa do preço e do ano novo chinês e Curvelo inteira
sentiu”, diz um prestador de serviços que viu na chegada dos compradores
da China a solução para ter renda. De acordo com ele, de 2006 para cá a
presença de chineses na cidade cresceu 70%. “Só na Bahia tem dez
famílias”, afirma. Em Curvelo, alguns vivem em hotéis baratos, de R$ 25 a
R$ 70 a diária, outros alugam casas onde vivem por cerca de três meses,
depois dos quais voltam para o seu país de origem e são substituídos
por membros da família.
Em junho de 2010, a Polícia Federal
apreendeu 700 quilos de pedras semipreciosas e cristal em Itacambira.
Elas foram obtidas por meio da exploração ilegal por quatro chineses e
dois brasileiros. As investigações indicaram a existência de um esquema
de venda dos produtos para a China, que teria base em Curvelo, na Região
Central do estado. Foram presos os chineses Wu Tsung Ying, Daí Yong
Dong, Rayoin Huo e Shao Kang He, além do garimpeiro Adilson Mariano de
Oliveira e Cláudio Afonso dos Santos, transportador e intermediário do
negócio.
Os 700 quilos de cristal e pedras semipreciosas estavam
sendo transportados em 18 sacos de linhagem na carroceria de um Fiat
Strada e, de acordo com informações da Polícia Federal, foram vendidos
para os chineses por R$ 15 mil. Os produtos minerais teriam sido
retirados de garimpo no povoado de Machados, na zona rural de Bocaiúva, e
seguiam para Itacambira, passando por uma estrada vicinal. A Polícia
Militar de Itacambira fez a apreensão, depois de receber uma denúncia
anônima. Dias antes, também no Norte de Minas, foi apreendida 1,2
tonelada de cristal de quartzo e 20 quilos de pedras semipreciosas, que
saíram de Licínio de Almeida, no sertão da Bahia, e que seriam levados
para Curvelo. Segundo a PF, os minérios extraídos na Bahia também teriam
como destino a China.
"Se for para prejudicar os chineses não
faça essa matéria. Eles pararam de comprar pedras por quatro meses por
causa do preço e do ano novo chinês e Curvelo inteira sentiu" -
prestador de serviços aos chineses em Corinto, que pediu para não ser
identificado.
Caminhos da pedra brasileira rumo à ÁsiaGarimpoÉ dos garimpos, a maioria deles clandestinos, que saem as pedras preciosas brutas que serão exportadas pelo estado
SubfaturamentoÉ esse um dos caminhos usados pelos produtores para "maquiar" a pedra bruta clandestina, tornando-a aparentemente legalizada
VendaUma vez feita a "maquiagem", as pedras são repassadas aos atravessadores, que vão vendê-las aos clientes estrangeiros
DesembaraçoEmpresas especializadas desembaraçam a mercadoria, enviando-a para o Rio de Janeiro, de onde será exportada
ChinaAs
pedras chegam à indústria joalheira na China, a segunda maior do mundo,
onde serão transformadas em joias, semijoias e bijuterias
Joias montadas (prontas)Parte
das joias e bijuterias entram novamente no Brasil, muitas vezes via
contrabando, prejudicandoa indústria joalheira nacional